Vila da Barca desafia Cosanpa e denuncia racismo ambiental em obra da COP 30
Durante audiência pública, moradores da Vila da Barca desafiaram o diretor da Cosanpa a beber água da torneira e denunciaram racismo ambiental nas obras da Nova Doca, parte da preparação para a COP 30 em Belém.
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4/11/20252 min read
BELÉM (PA) — A comunidade da Vila da Barca, uma das maiores áreas de palafitas da América Latina, voltou a protagonizar um forte ato de resistência popular durante uma audiência pública realizada na noite da última segunda-feira (7). Moradores desafiaram o diretor de Operações da Cosanpa, Antonio Crisóstomo, a beber a água que sai das torneiras da comunidade — frequentemente amarelada, com gosto e odor fortes.
A recusa do diretor diante das câmeras simbolizou o desprezo do poder público pelas condições de vida da população que vive historicamente à margem do saneamento básico. Segundo relatos dos próprios moradores, os problemas se agravaram desde o início das obras da Nova Doca — projeto do governo estadual em preparação para a COP 30, que será sediada em Belém em novembro deste ano.
“Eles dizem que a água é de qualidade, mas nenhum deles vive o que a gente vive. O mínimo que deveriam fazer era garantir água potável para quem mora aqui”, denunciou uma moradora.
A audiência, realizada no teatro do Curro Velho, foi fruto de forte pressão popular. Os moradores denunciaram não apenas os problemas com a água e o esgoto, mas também a instabilidade elétrica, a contaminação por maré alta nas antigas tubulações e a ausência total de estudos de impacto ambiental da obra da nova estação elevatória de esgoto.
Racismo ambiental e ausência de diálogo
A estação está sendo construída no antigo terreno do Cortume Americano, parcialmente demolido sem qualquer consulta à população. O governo, inicialmente, admitiu que a obra não beneficiaria os moradores da Vila da Barca — apenas bairros nobres da cidade. Só após mobilizações da comunidade, com apoio da imprensa e do Ministério Público, o discurso oficial mudou.
“É um caso escancarado de racismo ambiental”, afirmou o historiador e morador Kelvyn Gomes. “Querem usar nosso território como passagem de esgoto de bairros ricos, sem garantir sequer a nossa dignidade.”
O terreno em questão tem uma longa história com a comunidade. Parte dele já havia sido cedido para habitação social; outra parte foi ocupada com construções antigas, e o espaço restante — conhecido como “Campinho” — foi transformado em área de lazer pelos próprios moradores. O local chegou até a ser cenário de um clipe da cantora Anitta.
Segundo Kelvyn, a empresa Arapari Navegação, dona formal do terreno, passou a usar o espaço como depósito de entulhos da obra da Nova Doca e chegou a fechar uma rua de acesso à comunidade. A situação só foi revertida após pressão popular.
A resposta será jurídica
Sem respostas técnicas ou ambientais que justifiquem a escolha da área para a estação elevatória, a comunidade agora prepara uma ação civil pública com pedido de embargo da obra. A articulação jurídica está sendo conduzida pela advogada Karina Gomes, irmã de Kelvyn.
Uma nova reunião com o governo está prevista para ocorrer nos próximos dois meses. A comunidade exige que o Estado cumpra as promessas feitas na audiência: melhorias no abastecimento de água, vistoria nas estivas e a reativação da rede de esgoto na área urbanizada da vila.
Enquanto os olhos do mundo se voltam para Belém com a aproximação da COP 30, os moradores da Vila da Barca seguem lutando para que o desenvolvimento não seja apenas um discurso — mas um direito garantido a todos.

