Novo Ensino Médio escancara desafios na Ilha de Marajó, aponta pesquisa de doutorado
Estudo revela desajustes e dificuldades enfrentadas por professores e gestores na implementação da nova matriz curricular
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Redação Educação Ribeirinha
4/11/2025
Uma pesquisa de doutorado desenvolvida pelo pedagogo Francisco Miguel da Silva Oliveira revelou sérias dificuldades na implementação do Novo Ensino Médio em uma escola pública da Ilha de Marajó, no estado do Pará. O estudo aponta que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), adaptada para a nova matriz curricular, não dialoga com as realidades locais, gerando desajustes epistemológicos, dificuldades práticas e lacunas na formação dos estudantes.
A tese, intitulada “Desafios da Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio: percepções e perspectivas de docentes e gestores(as) da Ilha de Marajó”, foi apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade do Oeste Paulista (Unoeste), sob orientação da professora doutora Mônica Furkotter.
Quando a teoria ignora a realidade
O levantamento, que contou com a participação de 16 professores e nove gestores escolares, revela que muitos profissionais não compreendem integralmente o funcionamento do novo currículo. Além disso, há uma crítica recorrente à falta de infraestrutura e à escassez de formações pedagógicas que preparem os educadores para os novos desafios.
“Os professores relataram que o Novo Ensino Médio foi implantado de forma teórica e apressada, sem considerar a realidade ribeirinha das escolas marajoaras”, destaca Francisco Miguel.
Formação sem identidade local
Entre os principais questionamentos do estudo, está a ausência de uma conexão entre a nova matriz curricular e as especificidades culturais, sociais e econômicas do povo marajoara. Os itinerários formativos, por exemplo, são vistos como descolados da realidade dos estudantes, e muitas vezes voltados para o mercado de trabalho de forma superficial, o que pode resultar em uma formação limitada e voltada para ocupações de baixa remuneração.
Outro dado preocupante é o avanço de instituições privadas na oferta do Ensino Médio, por meio de modelos presenciais mediados por tecnologia. Esse movimento, segundo o pesquisador, reduz o investimento público na educação e enfraquece o papel do Estado na garantia de uma educação de qualidade para todos.
Distorções e incertezas
A pesquisa ainda identificou a persistência de problemas como a distorção idade-série, a ausência de políticas eficazes para o Sistema de Organização Modular de Ensino (SOME) e dificuldades operacionais no uso de plataformas como o SEI (Sistema Eletrônico de Informações).


Uma tese que nasce da vivência
Natural de São Sebastião da Boa Vista, Francisco Miguel percorreu mais de 3 mil quilômetros em viagens fluviais e terrestres até Presidente Prudente (SP), onde cursou seu doutorado. Sua trajetória é marcada pela obstinação em levar a voz da Amazônia às discussões nacionais sobre educação.
A tese foi aprovada por uma banca formada por professores da Unoeste, da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e da Universidade Federal do Pará (UFPA), e agora se soma aos esforços por uma educação mais justa, inclusiva e adaptada às realidades das populações ribeirinhas.
Contribuições para as políticas públicas
O trabalho de Francisco oferece um alerta importante às autoridades educacionais: políticas uniformes e descontextualizadas tendem a fracassar quando não consideram as peculiaridades de um país tão diverso como o Brasil.
“A BNCC, da forma como está sendo aplicada, favorece um modelo elitista, que mantém os mais pobres em desvantagem, enquanto perpetua o poder nas mãos das elites”, afirma o autor.
A equipe do Educação Ribeirinha parabeniza o pesquisador por sua dedicação e contribuição ao debate sobre a educação no campo amazônico.