Novo Ensino Médio enfrenta críticas na Ilha de Marajó: tese de doutorado aponta falhas na implementação
Pesquisa revela desajustes curriculares e denúncias de exclusão educacional no contexto ribeirinho marajoara
EDUCAÇÃO
4/10/2025
A implementação do Novo Ensino Médio na Ilha de Marajó, região ribeirinha do Pará, vem gerando uma série de desafios e descontentamentos entre educadores. É o que revela a tese de doutorado do pedagogo marajoara Francisco Miguel da Silva Oliveira, recém-aprovado como Doutor em Educação pela Universidade do Oeste Paulista (Unoeste), em Presidente Prudente (SP).
A pesquisa investigou como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e os itinerários formativos vêm sendo aplicados em uma escola pública da ilha. A conclusão é preocupante: o modelo atual não atende às especificidades culturais, econômicas e sociais dos povos marajoaras.
“A base curricular não dialoga com a realidade da educação ribeirinha, gerando lacunas no processo de ensino e aprendizagem”, afirma Francisco Miguel.
Desajuste epistemológico e formação precária
Com dados coletados junto a 16 professores e 9 gestores, a pesquisa revela que a estrutura curricular imposta pela BNCC é considerada de difícil compreensão e inaplicável na prática pedagógica local. Educadores apontam ausência de formação adequada, falta de infraestrutura e um distanciamento entre as propostas do Ministério da Educação e a realidade vivida na Amazônia paraense.
O estudo também destaca que a nova matriz curricular impõe uma formação de viés mercadológico, preparando alunos apenas para o trabalho de baixa remuneração — um modelo que, segundo o autor, perpetua desigualdades históricas e reproduz a exclusão social.
Ameaça da privatização e distorção idade-série
Outro ponto sensível abordado na tese é o avanço da iniciativa privada na educação pública, com exemplos de instituições financeiras oferecendo ensino médio "presencial", porém mediado por tecnologia digital. Para o pesquisador, isso representa um retrocesso, pois retira investimentos do Estado e favorece uma educação voltada à lógica de mercado.
Além disso, o estudo aponta a distorção idade-série como um problema crônico nas escolas da ilha, agravado pela ausência de políticas públicas eficazes. Sistemas como o SOME (Sistema de Organização Modular de Ensino) e o SEI (Sistema de Educação Interativo) são mencionados como insuficientes para reverter esse cenário.
Educação para quem?
A pesquisa levanta um debate essencial: para quem serve o Novo Ensino Médio?. A partir de uma crítica à influência de diretrizes internacionais — como OCDE, Banco Mundial e OMC —, Francisco defende que o atual modelo curricular promove uma educação técnica e limitada para os jovens pobres, enquanto mantém uma formação crítica e completa para os filhos das elites.
“A omnilateralidade, ou seja, uma formação integral do ser humano, está sendo substituída por um modelo que aliena e marginaliza”, alerta o pesquisador.
Uma trajetória de resistência
Francisco Miguel é morador da comunidade de São Sebastião, no Marajó, e percorreu mais de 3 mil quilômetros, passando por seis estados brasileiros, para defender sua tese no interior paulista. Sua história de superação é um símbolo de resistência da educação amazônica.
A banca de defesa foi composta por nomes de peso da educação brasileira, como o professor Dr. Salomão Hage, da UFPA, e professores da UEM (PR).
A produção da tese representa uma contribuição valiosa para o debate sobre políticas públicas e reafirma a urgência de uma educação que respeite as identidades e realidades da Amazônia.


Professor Francisco Miguel - Aprovado para receber o titulo de doutor em educação.
Foto: Cedida / Unoeste